A Gravidade da Pandemia no Brasil Da Gripezinha à GripeZona
Marca: EDITORA DOS EDITORESDisponibilidade: Imediata
Autores:
Ronir Raggio Luiz
Jessica Pronestino de Lima Moreira
Ligia Bahia
ISBN: 978-65-6103-007-6
Prefácio
A pandemia de Covid-19 é um dos eventos mais impactantes na história
recente da Saúde Pública. Seus efeitos diretos de curto, médio e longo prazos
sobre aqueles que desenvolveram a doença são dramáticos, justificando a denominação
de “evento incapacitante em massa”. Já os efeitos indiretos altamente
disruptivos sobre a saúde das populações são mais difíceis de mensurar, porque
mediados pelo impacto negativo da pandemia na oferta de programas preventivos,
como vacinação e rastreamento de câncer, e no cuidado contínuo de condições
crônicas.
No Brasil, os efeitos da pandemia foram tão graves que levaram à redução
da expectativa de vida da população. Mas, para além destes efeitos já experimentados
até o momento, o que podemos esperar do futuro? Qual será o impacto da
Covid-19 persistente ou crônica na mortalidade e na qualidade de vida do que
escaparam da morte na fase aguda? Como cuidaremos dos milhares de “órfãos
da Covid-19” para que possam exercer plenamente suas potencialidades na vida?
Quantos conhecidos, amigos e parentes terão suas vidas abreviadas ou deterioradas
em sua qualidade em decorrência do inadequado cuidado de suas condições
de saúde em função da pandemia? São perguntas ainda sem resposta, mas
que desvelam uma agenda colossal de pesquisas para os diferentes campos do
conhecimento.
O texto aqui apresentado não olha para este futuro incerto, mas se propõe
a registrar este tempo passado, envenenado, apocalíptico, sorrateiro e bestial. Um
evento que não é só “viral”, como salientado em um seminário do Instituto de
Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, porque qualquer pandemia é
também um fenômeno com dimensões históricas, sociais, ecológicas e psicológicas.
A pandemia de Covid-19 no Brasil tem muitas peculiaridades que tornam
escritos deste tipo necessários e valiosos.
A pandemia de Covid-19 encontra a população brasileira em uma situação
de extrema vulnerabilidade social, econômica e programática. O desmonte das
políticas sociais, o crônico subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e a
gestão catastrófica da pandemia promoveram uma “tempestade perfeita”. Neste
contexto, a tão falada e igualmente pouco fundamentada visão de um vírus democrático
não se sustentou, e a pandemia revelou e aprofundou as já enormes
desigualdades sociais brasileiras, levando a sobrecarga de mortalidade e adoecimento
de um enorme contingente de pessoas vulnerabilizadas. Esse quadro
dramático expressa de forma exemplar a ideia de sindemia, na qual a pandemia
interage com diferentes fontes de vulnerabilizações, sejam elas sanitárias, sociais
e/ou ambientais, potencializando os efeitos deletérios de todos os fatores sobre
a saúde da população.
Falar um pouco desta obra seria o objetivo deste texto, mas como fazê-
lo sem falar do autor e das autoras? Amigos e colegas de anos de luta na
Universidade Federal do Rio de Janeiro por ensino e pesquisa de qualidade na
área de Saúde Coletiva, que sejam também críticos e engajados. Um trio se complementa
em suas habilidades e conhecimentos para oferecer aos leitores e às
leitoras um trabalho de fôlego e denso que faz uso dos registros dos casos e óbitos
por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) do Sistema de Informação da
Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe) para abordar o risco de adoecer
e morrer por Covid-19 no Brasil de 2020. O uso de dados secundários em estudos
na área de Saúde Coletiva é, ao mesmo tempo, comum e subutilizado. Essa aparente
contradição é para reforçar a ideia de que o uso ampliado e acrítico deste
tipo de dado acrescenta pouco ao conhecimento e à prática. Isso não quer dizer
que seja um problema de uso ou não de métodos analíticos avançados para a
abordagem destes dados, mas da necessidade de abordar estes dados mediante
o uso de um olhar informado, reflexivo e bem fundamentado teórica e metodologicamente
para produzir informações relevantes.
O livro em tela nos oferece exatamente um exemplo de como dados secundários,
reconhecidamente limitados em sua qualidade e completude, podem ser
efetivamente úteis não somente para um diagnóstico ampliado de um problema
de saúde e para o aprimoramento das políticas de saúde e dos sistemas de informações
em saúde, mas também para trazer à tona aspectos teóricos e metodológicos
importantes para aqueles que desejam se envolver em análises similares,
seja para este ou outro agravo por meio de diferentes sistemas de informação.
Um aspecto interessante que não deve deixar de ser deixado em segundo
plano, é a proposição muito bem fundamentada para a agregação das unidades
de análise. Pode-se concordar ou não, pode-se até avaliar que tal proposta seja
pouco adequada para uso em outras situações, mas é exemplar toda a argumentação
apresentada, permitindo a quem lê não só compreender a justificativa e
o procedimento utilizado, mas também reconhecer as limitações e dificuldades
interpretativas derivadas do processo utilizado.
Esse cuidado de fornecer detalhes sobre as opções metodológicas empregadas
se percebe ao longo de todo o texto, incluindo a decisão, bem justificada,
mas talvez polêmica, de não apresentar taxas ajustadas por idade. Decisões
sobre a definição de “caso” são também bem elaboradas e fundamentadas, mas
salientam as incertezas e problemas no uso destes dados e a necessidade de investimentos
para a melhoria dos dados em saúde. Critérios diagnósticos que não
conseguem equilibrar sensibilidade e especificidade aceitáveis podem ter impacto
pouco previsível nos resultados, principalmente se variam pelas unidades de
análise, o que não é incomum. Uma interpretação a ser validada em novos estudos
é equacionar sub-registro de óbitos a partir das informações sobre SRAG não
identificado, afinal, outras fontes de sub-registro podem ser tão ou mais importante
em contextos específicos das diferentes unidades de análise. Para aqueles
que poderão se inspirar neste trabalho, vale cogitar a realização de análises de
sensibilidade para que se possa ter mais evidências de que os resultados disponibilizados
são robustos.
Além de todas as qualidades já mencionadas deste trabalho, a principal
talvez seja o registro de percepções que não estão devidamente analisadas e
documentadas na literatura. Neste sentido, este livro tem, além de uma importância
técnico-científica, uma relevância política que reforça os elementos para
a responsabilização legal daqueles indignos das funções que ocuparam e que
ousaram dispor da vida dos velhos, dos pobres, dos negros, dos índios e, enfim,
do povo brasileiro, para atender a seus interesses pessoais, sejam financeiros, políticos
ou ideológicos. Não há como se acomodar, é preciso se indignar, para que
tragédias como essa nunca mais se repitam.
Guilherme Loureiro Werneck
Professor de Epidemiologia
IESC/UFRJ e IMS/UERJ
Formato: 17 x 24 cm
144 páginas