Direito internacional entre tradições e revoluções
O direito é a expressão normativa dos compromissos de uma comunidade em um dado momento histórico. Esta expressão acompanha – ou deveria acompanhar – as inevitáveis mutações dos valores fundamentais de uma comunidade ao longo do tempo. No caso da comunidade internacional não poderia ser diferente. São muitas as características que distinguem o cenário internacional contemporâneo do que ele fora na maior parte do século XX. Assim sendo, o foco desta coletânea é justamente esse: endereçar as mais relevantes questões que constituem o cerne do debate do direito internacional do século XXI. Para atingirmos esse objetivo de compreendermos quais são as temáticas e teses que ditaram o debate nestes primeiros vinte e um anos de século XXI, é vital termos como premissa que o direito internacional pós-moderno é complexo na acepção original do termo, ou seja, é uma construção normativa composta de numerosos elementos interligados que interagem entre si de variadas formas. A complexificação do sistema normativo internacional materializa-se principalmente no que se convencionou chamar de “fragmentação do direito internacional”, vale dizer, na criação de subdivisões do direito internacional dotados de princípios próprios, como o direito internacional dos refugiados ou o direito internacional dos direitos humanos, por exemplo. DIREITO INTERNACIONAL ENTRE TRADIÇÃO E REVOLUÇÃO NO SÉCULO XXI xx Essa fragmentação ou diversificação do direito internacional apresenta alguns riscos, mas também oferece inúmeros benefícios. Quanto aos riscos, a fragmentação pode criar conflitos e incompatibilidades relativas a obrigações jurídicas. Por exemplo, normas inconciliáveis, porém igualmente vinculantes, podem emergir de duas subdivisões do direito internacional pós-moderno, como o direito internacional ambiental, voltado à proteção do direito comum da humanidade à uma ecologia que viabilize a existência digna, e o direito internacional do comércio, voltado ao estreitamento dos laços econômicos entre as nações. Em que pese o risco desse tipo de antagonismo normativo, a diversificação do direito internacional em ramos específicos tem o condão de permitir a expressão normativa e, na medida do possível, a compatibilização de diferentes agendas importantes do século XXI, como a proteção dos direitos humanos, a regulação humanística do afluxo de refugiados, a preservação do meio ambiente etc. Sucintamente, a conclusão destas breves palavras iniciais é a seguinte: para o estudioso do direito internacional – inclusive para estudantes de graduação – não basta o conhecimento do direito internacional tradicional para que se possa compreender a disciplina em toda sua amplitude. O século XXI tratou de sabotar os lugares-comuns do direito internacional clássico. Da ascensão do indivíduo à centralidade da jurisdição internacional até a elevação dos direitos humanos ao patamar de linguagem universal da humanidade, passando pelas interfaces entre o direito internacional penal e do meio ambiente e até pelas contribuições da revolução tecnológica à mudança do direito internacional, esta obra tem o intuito de oferecer um passeio panorâmico pelas principais áreas do direito internacional contemporâneo sem, contudo, a pretensão de exaurir todos os temas relevantes para a agenda do século XXI, o que nem sequer seria possível dada a complexidade de nossa realidade. Para tanto, os capítulos compilados nesta coletânea representam, cada um ao seu modo, uma contribuição focada em alguma peculiaridade DIREITO INTERNACIONAL ENTRE TRADIÇÃO E REVOLUÇÃO NO SÉCULO XXI xxi definidora do novo direito internacional de nosso século, na esperança de que a compreensão de alguns elementos únicos do intrincado direito internacional contemporâneo elucide os rumos do cada vez mais complexo direito das gentes. Os artigos, fortemente interdisciplinares, estão agrupa[1]dos em dez áreas mais gerais, correspondentes a desafios novos ou com importância renovada em nosso século, sendo elas: (i) direito internacional e tecnologia; (ii) novos desafios do direito internacional humanitário (iii) a proteção do indivíduo no século XXI; (iv) a questão do refúgio; (v) o papel do direito internacional na defesa da ecologia global; (vi) direito do mar; (vii) direito e relações internacionais no século XXI; (viii) os retrocessos e progressos da integração regional em nosso século; (ix) a emergência do direito internacional sanitário; (x) desafios do direito internacional privado. Por fim, enfatizam-se não só os aspectos revolucionários de cada área específica e as relações que cada ramo mantém com os demais, como também as continuidades das tradições que permanecem moldando o entendi[1]mento sobre os fenômenos relativos ao direito internacional contemporâneo. A esperança é a de que, ao nos familiarizarmos com os tópicos mais relevantes e com as especificidades de raciocínio de cada uma das áreas do novo direito internacional, possamos compreender melhor o espírito dos nossos tempos e os desafios a serem enfrentados pelos jusinternacionalistas do século XXI.